domingo, 27 de outubro de 2013

O Livro de Kitty - Um diário de Camarões

Atendendo a um pedido especial de uma leitora do blog, estou postando a tradução de um trecho do diário de viagem da tia-avó do meu marido que trabalhou como missionária da Sociedade Missionária Norueguesa (Det Norske Misjonsselskap) em Camarões na década de 70. A primeira entrada data de 8 de junho de 1973 e a última de 5 de junho de 1976. O diário foi publicado pela organização somente para distribuição a amigos e familiares. Eu tive o privilégio de ganhar um exemplar do diário da minha sogra, pouco depois que Kitty faleceu.

Este é um diário que deveria ser lido por todos que, como eu, sentem fascinação por lugares diferentes e pessoas de lugares diferentes. Foi bem difícil para mim escolher um trecho para traduzir, por que o diário inteiro é tão maravilhoso que deveria ser traduzido integralmente. Acabei por escolher uma parte em que ela escreve um pouco sobre os obstáculos que uma missionária tem de enfrentar  e também um pouco sobre a vida de professora.

VIDA DE EXCURSIONISTA
13 DE JULHO DE 1974

Esta semana eu estive em excursão por Songkolong, Somie e Djang-Tong. Percorrer as estradas para esses locais é como participar de um filme de aventura. E tem também as pontes. Desta vez foi particularmente especial, porque choveu. Em razão disso, as tábuas colocadas entre alguns pequenos riachos estavam muito escorregadias. E quando acontecia de algumas das tábuas não estarem presas umas às outras, elas se separavam, claro. E ainda por cima constatamos que as tábuas de sustentação que ficavam por baixo estavam apodrecidas. Uma das rodas traseiras do meu carro partiu uma das tábuas, mas ele não caiu no rio. Muitos homens apareceram rapidamente. Eles LEVANTARAM o Land Rover com a ajuda de troncos de árvores - e no final todas as rodas do carro estavam na ponte novamente. Eles prometeram que a ponte estaria consertada quando eu passasse por ali novamente ao voltar para casa.

Em uma classe em Somie há 62 alunos que dividem 11 carteiras. Parece apertado, mas eles vão ganhar mais carteiras. Eles tinham 10 livros de leitura. Condições um pouco diferentes nas escolas daqui comparadas às escolas na Noruega! Mas, será que os alunos da Noruega estão mais felizes que os daqui?

Em Songkolong nós iríamos inaugurar a nova escola. O sacerdote em Somie, Siteni, ajudou com a inauguração. Foi realmente uma solenidade. As crianças em Songkolong escutam atentamente o meu sermão. Elas se sentam nas pontas dos bancos com as boquinhas abertas. É uma visão maravilhosa. Eu fico quase comovida com essas carinhas voltadas para mim.

É tão bonito em Songkolong. A natureza é bela. Montanhas ao fundo. E é BOM ir até lá por causa das pessoas que lá residem. Deve ser algo a ver com a hospitalidade. Eu me sinto tão bem-vinda de muitos modos. Durante a oração da manhã eles rezavam tão intensamente por mim - pelos professores - pelos alunos. Os dois professores são muito diferentes. Um deles é esperto e ágil. O outro é tão, mas tão bonzinho - chega quase a ser feito de bobo de tão bonzinho. Mas os alunos gostam tanto dele. Eu acho que ele significa muito para as pessoas aqui em Songkolong.

2 comentários:

  1. Oi, Raquel! Que emoção... Puxa, tanto trabalho seu!

    Me vi nestes alunos: em 74, eu estudava numa escolinha rural.
    A professora se dividia entre a terceira e a quarta séries, mas as condições não eram severas como as da Kitty, éramos 17 alunos.
    Sozinhos pelos 4 km de distância de casa, passávamos por pontes como a citada por ela, mas gostávamos mesmo era de passar por debaixo delas.
    De vez em quando, passávamos por debaixo da rodovia que liga São Paulo a Minas Gerais, pelas canalizações de água, que chamávamos de "manilhas".
    Antecipadamente, eu pressentia que teria uma bela ligação com a Kitty. Também vivia rodeada por majestosas montanhas. Chovia muito, as estradas ficavam lisas e os carros encravavam - nós empurrávamos, mesmo que fossem estranhos.
    O que ela narra, de uma certa maneira também vivi, e seria tão bom se tivéssemos o apoio de abnegados missionários assim!
    Eu e meu grupo seríamos bons clientes para ela. Lembro de colegas (o Bá e o Digá) que iam descalços para a escola, não tinham sequer chinelinhos havaianas.
    Certa vez, vindo da cidade, meu pai sentou-se no ônibus, ao lado de uma senhora veranista (era assim que chamávamos os turistas), ela lhe deu um saquinho de balas "soft", daquelas redondas, para levar a nós.
    Me lembro da emoção como se fosse hoje, quando ele nos trouxe as balas. Só conhecíamos balinhas de empório; fiz da embalagem uma bolsinha e guardei por anos.
    Quero dizer que sei exatamente o que aquelas pessoas pensavam e sentiam em relação à fantástica Kitty: ela era uma grande janela voltada para o sol!

    Muito obrigada, Raquel, já fiz um quadro da vida dela na África: difícil, porém plena!
    Beijos.

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  2. Oi, Cristina!
    Que bom ver que você gostou. Cada vez que falamos de Kitty aqui na família sentimos muito orgulho da coragem que ela teve de ir se aventurar na África sozinha por uma causa na qual ela tanto acreditava. Nunca vou me esquecer do dia em que a conheci. Eu falava um norueguês muito 'capenga', mas ela conversou pacientemente comigo por um bom tempo, muito curiosa para saber tudo sobre mim de um modo muito amável e sincero. Abraços!

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