segunda-feira, 30 de março de 2015

Após várias tentativas, consegui vir aqui para contar

Meu pai recebeu o diagnóstico de câncer na bexiga no final de novembro de 2014. Eu viajei para o Brasil na primeira semana de dezembro e ele foi internado logo em seguida. Passei o mês de dezembro e janeiro no Brasil, revezando com meus irmãos para ficar com meu pai no hospital. No Brasil é obrigatória a presença de um acompanhante para idosos 24 horas por dia. A primeira cirurgia foi mal sucedida, e ele sofreu um AVC que, apesar de controlado, comprometeu o lado direito do cérebro e ele perdeu a capacidade da fala. Ele saiu da UTI dia 24 de dezembro, e eu passei o Natal e o Ano Novo no hospital com ele.

Foi muito triste não poder mais conversar com ele, apesar de tentarmos o tempo todo.

Os médicos deram alta para ele por uma semana no final de janeiro. Ele comemorou seu aniversário conosco em casa e eu  fiz o melhor que pude para cuidar dele. No começo de fevereiro tive que voltar para a Noruega, pois já havia tirado licença de quase dois meses. Ele foi operado novamente dia 2 de fevereiro e, apesar da cirurgia ter sido bem sucedida, ele foi mantido na UTI por causa do coração enfraquecido. Dia 25 de fevereiro ele descansou, após lutar bravamente. Voltei ao Brasil para me despedir. Pude ficar somente uma semana.

Apesar da tristeza causada pela ausência dele, fico feliz ao pensar que fiz o que pude, mesmo morando tão longe. Em 2011 ele veio conhecer a Noruega. Viajamos também para a Espanha, terra natal de sua mãe, minha avó. Foram três semanas maravilhosas, apesar de terem começado com a chegada em Oslo no mesmo dia dos ataques terroristas em Oslo.

Em 2013 eu e o Morten tiramos cinco meses de licença para morar no Brasil e ficar mais tempo com ele. Quando ele recebeu o diagnóstico, eu não hesitei em ir para o Brasil ficar com ele. Os dias de hospital me ensinaram tantas coisas. Infelizmente não tenho talento para contar tudo aqui. Logo após o falecimento dele, comecei a ler um livro por puro acaso. A autora é a norueguesa de Trondheim Anne B. Ragde. O livro chama-se "Jeg har et teppe i tusen farger" (Eu tenho um cobertor de mil cores). Nesse livro, Anne narra os dias que passou com sua mãe em um hospital e em dois asilos quando ela foi diagnosticada com câncer linfático e também episódios que mostram a coragem e força da mãe, que criou Anne e sua irmã como mãe solteira e vivendo na pobreza.

Os médicos, enfermeiras e enfermeiros do Hospital das Clínicas e do Instituto do Câncer foram maravilhosos com meu pai. Por causa da gravidade do seu caso, infelizmente diagnosticado tarde, ele conseguiu ser admitido rapidamente. Não é verdade que o sistema de saúde do Brasil só é ruim. Como acompanhantes, eu e meus irmãos recebíamos três refeições gratuitas por dia, sete dias por semana. Ao contar isso para o meu marido e sua família, eles não acreditaram. No Noruega não há lei que permita que acompanhantes fiquem direto com o paciente idoso, e nos casos em que isso é permitido, oferecer refeições de graça a acompanhantes está absolutamente fora de cogitação.

Meus empregadores não descontaram um centavo do meu salário nos dois meses em que estive no Brasil cuidando do meu pai. Tudo o que tive de fazer foi enviar uma cópia do laudo médico. Não precisei me preocupar com tradução, o sistema daqui ia providenciar.

Meu marido me apoiou em todos os momentos, até quando eu tive que abandoná-lo na Noruega às vésperas do Natal e ele teve que morar sozinho durante quase dois meses sem saber se eu receberia meu salário e sem saber se conseguiríamos pagar todas as contas.

Será triste voltar ao Brasil em junho e saber que não encontrarei mais meu pai.

14 comentários:

  1. Oi, Raquel, que pena!
    Estou muito sentida, me lembro da visita de seu pai, da viagem à Espanha...
    Por outro lado, também fico satisfeita com o bom tratamento oferecido no hospitas e principalmente com a possibilidade de você ter podido deixar seu trabalho, ainda mais sem descontos! Isso é qualidade de vida.
    Em algumas empresas privadas aqui do Brasil, constituiria "abandono de serviço" a tempos atrás. Hoje tudo está mudando, as organizações estão se humanizando.
    A Prefeitura onde trabalho sempre ofereceu a possibilidade de cuidarmos de nossos doentes, isso acalenta o coração mesmo quando não necessitamos.

    Um abraço condolente, a você e ao Morten

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    1. Muito obrigada pela bela mensagem, Cristina. Um abraço.

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  2. Meus sentimentos, Raquel!!! Perder um parente é algo muito difícil! Espero que todos os momentos maravilhosos que você teve junto ao seu pai sejam suficientes para consolá-la nesta hora. As vezes é mais fácil quando agradecemos por todos os maravilhosos anos de convivência ao invés de focar na nossa perda.
    Um grande abraco

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    1. Muito obrigada pelas palavras reconfortantes, Sam. Um abraço.

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  3. Raquel meus sentimentos pelo seu amado pai. Acompanho sua saga nesta terra, que eu também sonho muito em ir morar em algum momento! Por toda sua jornada ai na Noruega, prova que você é forte, que é umas das virtudes muito importante para alcançar nossos desejos. Garanto que seu pai, esteja aonde estiver, está feliz por você ser uma filha forte e saber por em pratica todas as virtudes. Para seu conforto, garanto que seu pai teve a missão dele cumprida por você ser forte e mais importante, você mostrou sua gratidão em seus últimos momentos!
    Forte Abraço!

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  4. oi amiga, força, que Deus conforte teu coração todos os dias e que voce possa lembrar dos bons momentos. meus sentimentos. bjsss amiga

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  5. Meus sentimentos Raquel, não há palavras para consolar a perda de alguém importante.

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